Aécio na imprensa internacional: : " O maior dos traumas é a permanência de Dilma"



Portugal é uma prioridade na agenda do líder do maior partido da oposição do Brasil. Aécio quer que investigações como a Lava Jato sejam aprofundadas e não descarta a existência de focos de corrupção no PSDB


Aécio Neves veio a Portugal num dos períodos mais críticos da democracia brasileira para participar no IV seminário Luso-Brasileiro de Direito. Durante a sua intervenção não descolou dos problemas atuais do seu país. Falou da legitimidade, governabilidade e legalidade dos governos. Disse que não se podia fechar os olhos às evidências de corrupção que assolam o partido de Dilma e chegou mesmo a lançar provocações. “Um tempo na oposição só fará bem ao PT”, atirou. Aécio resumiu ainda os últimos dias do Brasil numa frase: “Temos uma presidente sitiada no Palácio que não consegue falar com a sociedade”. Tirou uns minutos da sua hora de almoço de ontem para receber o i.

A descoberta de diversas teias de corrupção no Brasil envolvendo políticos é um sinal claro de que as instituições estão a funcionar?

Eu acho que sim e a posição do PSDB é a de garantir que as investigações sejam profundas. A Lava Jato investiga um processo de ocupação do Estado para viabilizar um projeto de poder, mas ultrapassando quaisquer limites. Essa ocupação por partidos políticos de empresas estatais ou de obras públicas vem da própria origem do nosso sistema político. A Lava Jato é um passo mas não é tudo, é preciso uma reforma política que aproxime os eleitores dos seus representantes. É preciso que nessa reforma política, e esta é mais uma questão essencial para a democracia, se possa reduzir o quadro partidário através de clausulas, de barreiras, até mesmo com o fim da reeleição. Quanto às investigações, elas têm de acontecer e todos têm obrigação de dar resposta, nós mesmos. É importante que num processo como este, em que há acusações de lado a lado, se investigue para mostrar o que é verdadeiro e o que não é.

E o que é verdadeiro para si?

O que está ficando claro é que o modus operandi que fez o Partido dos Trabalhadores vencer as eleições e chegar até aqui foi um modus operandi criminoso.

Tem dito que o PSDB está preparado para ajudar a reestruturar o Brasil. Mas estará o PSDB preparado para se reestruturar internamente?

Acho que sim e concordo que isso deve acontecer. O PSDB passa por um processo de amadurecimento, nós disputamos em 2014 umas eleições em condições muito desfavoráveis, consequência da estrutura que sabemos agora ter sido montada contra nós. A mentira deslavada, a maquilhagem dos dados públicos, as chamadas pedaladas, os gastos sem autorização do Congresso Nacional. Tudo isso contribuiu. Mas mesmo assim o PSDB chegou próximo. Nós não abrimos mão de discutir com a população, de apresentar ao Brasil o projeto que temos.

Mas o processo de impeachment não é traumático para o país?

O consenso é de que o maior dos traumas seria a permanência da presidente. O Brasil parou, o desemprego está crescendo de forma muito vigorosa, os indicadores económicos e sociais estão piorando muito. Então, eu acho que uma rutura com base na Constituição pode sim criar um clima de distensão política e possibilitar que essa agenda que o governo do PT não fez em 14 anos possa agora ser feita.

Mas num governo provisório liderado por Michel Temer (atual vice-presidente, do PMDB) o PSDB tem lugar?

Eu não defenderei a participação do PSDB no governo de transição. Até porque eu acho que a lógica não pode ser essa, a de distribuir lugares para partidos políticos, para grupos de pressão e espaços de poder. Esse seria o mesmo erro do PT. Se o vice-presidente da República assumir o governo, ele deve fugir dessa lógica e fazer um governo de notáveis, pessoas que estejam acima de partidos políticos. Nós contribuiremos com o apoio para que haja uma agenda, em questões da área económica, previdenciária e tributária. Uma contribuição que passe pela própria reforma e julgamento do Estado, pelo restabelecimento de regras e pela preocupação com empresas e órgãos públicos. E até numa eventual reforma política, que pode criar as bases para no futuro, fora do momento de crise aguda, discutir a mudança do sistema de governo.

Mas há problemas no PSDB. Ainda não me disse de que forma está disponível para mudar o que está mal.
O PSDB é a maior força de oposição no Brasil, estamos indo para as eleições municipais e temos hipóteses enormes de crescimento. Nós temos segmentos internos do partido que estão sendo muito fortalecidos, a área sindical do PSDB, estamos tentando estreitar nossas relações com vários grupos sindicais do país, temos um grupo de juventude do PSDB que se reorganizou nestas últimas semanas para poder disputar espaço nas universidades. Nós queremos grandes debates ideológicos com o PT, queremos disputar com o PT as universidades, os centros académicos. Queremos questionar as políticas sociais do Partido dos Trabalhadores, que é o último baluarte que eles têm hoje. Queremos sobretudo mostrar que a política social baseada puramente na falta de rendimentos é ineficaz em tempos de crise, são precisos serviços mais abrangentes. Colmatar a falta de saneamento, de saúde, de formação...

Há notícias que ligam o PSDB e alguns dos seus membros ao esquema de corrupção. O partido vai ou não transformar-se para poder ser parte da solução?

Se houver corrupção no PSDB é uma coisa residual. Estruturalmente o PSDB nunca participou nisso. Tudo tem de ser investigado, essa é a nossa posição. Uma posição oposta à do PT, que quando é acusado acusa as instituições, questiona a polícia e o judiciário, quer aparelhar as instituições do Estado. Nós queremos que as investigações sejam profundas, que consigam separar o joio do trigo. Se alguém cometeu algum delito deve responder por ele, nenhum partido está imune. Mas o que surgiu até agora contra o PSDB é apenas o que já tinha surgido durante a campanha eleitoral. As mesmas acusações infundadas, as mesma injúrias e mentiras. As acusações que nos são feitas não são pela Justiça, pelo MP ou pela Polícia Federal, são feitas por membros do PT.

Então como explica que o seu nome, tal como o de outros do seu partido, surja nas listas de alegadas luvas pagas pela Odebrecht?

Nós avaliámos todas essas planilhas [listas]. Ali há duas situações que se misturam e precisam, com serenidade, ser diferenciadas. Uma são contribuições legais de campanha, como determina a Constituição e que estão registadas na Justiça eleitoral - não precisavam nem da planilha para saber delas. Outra coisa são pagamentos ilegais, que não estão na Justiça eleitoral. Esses é que precisam ser investigados, se realmente ocorreram.

Do PSDB há alguma que conste da lista e não tivesse sido declarada à Justiça eleitoral?

Do que nós avaliámos estão todas registadas na Justiça eleitoral. A sensação de que foram crime todas as doações privadas é um perigo, porque o processo no Brasil era esse. Todos nós, quem fez campanhas nos últimos 30 anos, nos elegemos com contribuições privadas.

Recebeu contribuições da Odebrecht para esse efeito?

Sim, da Odebrecht e de muitas outras empresas.

Da agenda que tem para o Brasil, o que mudaria nas relações do país com Portugal?

Em primeiro lugar é preciso tirar as amarras do Mercosul, devemos ter liberdade para fazer acordos de livre comércio seja com a União Europeia, seja com países isoladamente, como Portugal. Isso é possível e o atual presidente da Argentina também tem essa visão. Defendo uma nova política focada nos interesses do Brasil e acho que aí Portugal será a nossa porta de entrada para a União Europeia. No que dependesse de mim e do PSDB Portugal seria a grande plataforma de parcerias do Brasil com a União Europeia e vice-versa. E isso seria também muito benéfico para Portugal.
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