Entrevista de Anastasia, relator do Impeachment, sobre o processo atual



“Muitas vezes o cidadão não percebe, mas a vítima é ele”, diz Anastasia para O Globo

BRASÍLIA – Às vésperas de o Senado votar em plenário o parecer da comissão especial que analisou o processo de impeachment na Casa, o relator Antonio Anastasia (PSDB-MG) reafirma em entrevista ao GLOBO que há provas robustas contra a presidente afastada Dilma Rousseff. Anastasia apresentou relatório favorável ao julgamento final da petista, no qual diz que Dilma cometeu um “atentado contra a Constituição”.

O que o levou à convicção de que a presidente cometeu crime de responsabilidade?

A fase de instrução permitiu coligir provas robustas, tanto dos depoimentos, como dos documentos e da perícia. Que os fatos ocorreram, ninguém discute: as chamadas “pedaladas” e a edição dos decretos. Nos resta a segunda pergunta: esses dois fatos configuram crime e há autoria? A isso se dedicou o relatório. Em relação aos decretos, três descumpriam a meta fiscal. A autorização do Legislativo para o Executivo editar decretos é limitada a que fosse “compatível com a meta”. No caso dos decretos, se tivesse autorização legislativa, não teria crime nenhum. A presidente poderia ter mandado projeto de lei. A defesa diz que projeto demora muito, mas isso não é argumento para a quebra do equilíbrio dos poderes.

Há decisão direta da presidente?

Se, no meio do ano, ela assinou o projeto que mudou a meta fiscal e assina um decreto que interfere na meta, é evidente que ela sabia. Estamos discutindo a responsabilidade inerente ao cargo exercido.

Em relação às “pedaladas”, há ato da presidente?

Operação de crédito não precisa ser formalizada. No relatório, demonstramos que houve uma espécie de ação coordenada do Banco Central e da própria Comissão de Valores Mobiliários, que fecharam os olhos e permitiram que isso acontecesse. Essa ação é evidente porque se sabia que era operação de crédito. É claro que é orientação de governo e a LRF atribui à chefia do Executivo essa responsabilidade.

Em que medida difere do que FH e Lula fizeram?

No passado os valores eram ínfimos. Aquilo era próprio do dia a dia do funcionamento da administração. Quando a partir de 2013, 2014 e 2015 os valores ficam exponenciais, aí sim o banco está sendo utilizado com seu poder de alavancagem para substituir o Tesouro.

O hermetismo do assunto colaborou para prosperar o discurso do golpe?

Não há dúvida. A questão orçamentária é muito técnica até para os técnicos. É evidente que a população não vai se debruçar sobre um relatório de quase 500 páginas para compreender. Depende então muito da interpretação que é dada pelas redes sociais, pelos meios de comunicação, e muitos deles acabam tendo uma certa posição e levantam de um lado ou de outro.

Como o desrespeito às questões orçamentárias e fiscais impacta a vida das pessoas?

Impacta de maneira violenta e demonstro isso. Esse caos orçamentário contribuiu de maneira muito forte para a “débacle” econômica que vivemos. Um governo irresponsável do ponto de vista orçamentário e fiscal recebe esse descrédito internacional e isso recai cai na população imediatamente, com queda do PIB, menos investimento, inflação e desemprego. Cai a arrecadação tributária e você piora os serviços públicos, a Saúde, a Educação. Muitas vezes o cidadão não percebe, mas a vítima é ele.

A amplitude da lei de impeachment não a torna uma saída para crises políticas?

Temos de ir na gênese do crime de responsabilidade, que começou na Inglaterra e migrou para os Estados Unidos. O objetivo é permitir o equilíbrio de poderes. Foi exatamente para não permitir que vire um presidencialismo imperial, que o presidente tenha um cheque em branco depois da eleição. É a lembrança de que os poderes têm de ser equilibrados. Crime de responsabilidade é jurídico e político. Não temos como desassociar as duas ideias. Em certos momentos, aspectos que juridicamente podem ser considerados crime de responsabilidade, o ambiente político não põe adiante, e em outros momentos, pode ocorrer o inverso.

E como o senhor avalia essa situação?

Por um lado, acho que é positivo, ainda mais porque no Brasil estamos passando por uma revolução do ponto de vista de práticas, de hábitos. A cada dia estamos ficando mais rigorosos com tudo. Se é bom ou mau não posso avaliar, mas é uma tendência. E ela se reflete também no crime de responsabilidade.

O senhor acha que a decisão em construção no Senado é jurídica ou política?

Cada senador é um juiz e formará sua livre convicção. Formei a minha, com amparo nas provas coligadas.

Qual a opinião do senhor sobre a Lava-jato?

Como mencionei, o país atravessa um momento de grandes mudanças institucionais. É um momento agudo, uma espécie de uma revolução, com novas interpretações e mecanismos, e que está tendo um apoio até unânime da população, que percebe a necessidade desse processo de aperfeiçoamento da democracia. Temos de encarar essa operação, como outras que já tivemos e outras que teremos, dentro dessa visão de um processo de fortalecimento do Judiciário, do Ministério Público, mas sem jamais imaginar que uma acusação sem defesa possa ser uma condenação.

O senhor foi alvo de um inquérito que acabou arquivado.

Como fui vítima de uma grave injustiça, sempre faço o alerta de que o direito de defesa é sagrado e que não podemos precipitar prejulgamentos, como acontece. Mas nós homens públicos devemos ter preparo para saber que seremos responsabilizados e atacados, e isso faz parte. As operações como um todo devem receber o aplauso de todos. Ainda que, eventualmente, até por injustiça sejamos arrolados, como foi o meu caso, temos que confiar na justiça e com a defesa provar nossa inocência.

Integrantes do PSDB, como o senador Aécio Neves, têm sido delatados na Lava-Jato. O que o partido e os citados devem fazer?

Em todos os partidos, de A a Z, onde haja a acusação, o acusado tem de se defender. Não dá para dizer que um partido só tem anjo e o outro só tem demônio. Onde houver acusação, o acusado vai apresentar suas provas e se defender. Seja no PSDB, no PT, no PMDB, em todos os partidos. Acho que não podemos nem generalizar nem excluir. E o PSDB não pode passar a mão na cabeça de ninguém. Tem que averiguar caso a caso.

O partido passa por momento de fragilidade?

Essa fragilidade não é do PSDB, é do mundo político como um todo, dos partidos, daqueles que têm mandato, das autoridades em geral. Isso vem desde 2013 e vem se agravando. Hoje os partidos estão todos na berlinda, acuados.

E o caso do senador Aécio, seu padrinho político, como analisa?

Ele acaba sendo um alvo muito visado. Ele mesmo diz que, quando foi candidato a presidente, a vida dele foi passada ao avesso por duas ou três vezes e não foi comprovado nada contra ele. Passamos a ter coisas aqui e ali contra A, B ou C. Ele tem a tranquilidade total e absoluta. Sou muito ligado a ele e fui testemunha do seu governo, da correção e da probidade. Ele saberá responder as acusações que vierem com muita serenidade. Quem está na política tem que ter o couro grosso.



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