Sistema de cobrança de impostos brasileiro penaliza mais pobres
Brasil adota modelo de arrecadação focado no consumo, que
penaliza os mais pobres porque cobra taxas iguais para todos
Simone Kafruni
Ângelo Pettinati/ESP. EM/D.A Press
Todos os consumidores, independentemente da faixa de renda,
sofrem com a mesma tributação dos produtos quando fazem compras em
supermercados
Brasília – O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias
do mundo e um dos sistemas mais perversos e injustos de recolher impostos. Como
se não bastasse cobrar demais pelo que não entrega, exige maior contribuição
justamente da parcela da população que tem a menor renda e que mais precisa dos
péssimos serviços públicos oferecidos pelo governo com o dinheiro dos
contribuintes. Em outras palavras, paga mais quem ganha menos. A classe média
também é penalizada, porque, além de ser fortemente taxada, gasta com serviços
privados de saúde, educação e segurança para não depender de escolas de
baixíssima qualidade, hospitais precários e um sistema de proteção ineficaz e
perigoso.
No final do ano passado, a Receita Federal divulgou a carga
tributária bruta de 2013, de 35,95% do Produto Interno Bruto (PIB). Tal nível
de impostos coloca o Brasil no topo do ranking das nações da América Latina. Na
avaliação do advogado tributarista Anderson Cardoso, sócio do escritório Souto
Corrêa, o Brasil não só lidera o ranking da América Latina como está bem
distante do segundo colocado. “A média é de 21,3% dos outros países, enquanto
no Brasil é quase 36% do PIB. Temos carga de primeiro mundo e serviços de terceiro”,
aponta.
O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT)
calcula que o brasileiro precisou trabalhar cinco meses em 2014 apenas para
pagar impostos, o dobro do tempo que gastava na década de 1970. Seguramente, os
serviços públicos não avançaram nessa proporção. Para o presidente do IBPT,
João Eloi Olenike, o problema mais grave do modelo brasileiro de tributação é a
concentração dos impostos sobre consumo e produção. “Cerca de 70% da
arrecadação é em cima de consumo, o que torna o sistema regressivo, ou seja,
todos pagam a mesma coisa, mas a pressão sobre a renda dos pobres é maior”,
diz.
O especialista destaca que, quando se prioriza o imposto do
consumo, às vezes as pessoas nem sabem que estão pagando tributos. É o que
ocorre com Wilson Teixeira dos Santos, de 46 anos, que não tem consciência de
quanto compromete de sua renda em impostos. Sem emprego fixo, ele faz bicos,
como entregar frutas para lanchonetes, trabalho que garante uma renda mensal de
apenas R$ 480. “Meus gastos são com comida, aluguel, luz e água, mas não faço
ideia de quanto pago de imposto”, diz. Sem saber, ele paga 48,28% de tributos
na conta de luz e 37,88% na de água.
Olenike, do IBPT, explica que os impostos sobre consumo têm
efeito cascata, porque os que incidem sobre a produção, como IPI, PIS e Cofins,
acabam sendo repassados para o consumidor, inseridos no preço final dos
produtos. “Além disso, a maior arrecadação é do ICMS, que está em todos
produtos e serviços”, observa. O especialista detalha que, na maioria dos
países desenvolvidos, o sistema é progressivo, sobrecarregando as pessoas de
alta renda. “No Brasil, 70% dos tributos são sobre consumo, 25% sobre renda e
somente 5% sobre patrimônio. Isso provoca uma distribuição de renda ao
contrário, que pune pobres e beneficia ricos”, avalia.
DISTORÇÕES A tributarista e sócia do escritório Miguel Neto
Advogados Valéria Zotelli alerta para a perversidade do modelo brasileiro.
Mesmo no caso do Imposto de Renda (IR), que é progressivo, há graves
distorções. “Deveria haver mais alíquotas porque a classe média, que ganha
ligeiramente acima de R$ 4,6 mil, paga 27,5% de IR, o mesmo percentual de ricos
que ganham R$ 1 milhão. É preciso ampliar as faixas”, diz.
Valeria sustenta que certos produtos também deveriam ter
diferenciação, como remédios. “Os pobres pagarem a mesma coisa que ricos e até
classe média é uma vergonha. O país não leva em conta a capacidade
contributiva”, diz. Medicamentos têm uma carga tributária de mais de 33%. Outro
exemplo de como os pobres são mais penalizados é a tributação de bebidas
alcoólicas. A cachaça é taxada em mais de 80%, quando a carga tributária das
outras bebidas varia de 59% a 61%, respectivamente (veja a cesta de impostos
por classe social ao lado).
Para Anderson Cardoso, o problema mais grave é a falta de retorno
para os contribuintes. “Os pobres são obrigados a aceitar serviços públicos
ruins. Já a classe média precisa contratar serviços privados, como escola
particular, planos de saúde e seguros”, lembra. O fisioterapeuta aposentado
Vantuil Lima Alves, de 70, é um exemplo disso. Com três filhos, Alves pagou
escola particular para dois deles e o terceiro escolheu o Colégio Militar.
Também gasta com plano de saúde e tem o carro e a casa segurados porque não
confia na segurança pública. “O contribuinte trabalha metade do ano para pagar
impostos e o retorno é muito ruim”, reclama.
Apesar de serem os maiores beneficiados pelo modelo
brasileiro de tributação, os contribuintes de alta renda também não se sentem
confortáveis. O economista e servidor público Marco Aurélio Pacheco de Brito,
de 68, lamenta as distorções tributárias do Brasil. “Hoje nossa carga é de
quase 40% do PIB (Produto Interno Bruto). Existem países em que até é mais
alta, mas eles têm resposta dos governos em termos de serviços públicos. Isso não
ocorre no Brasil, que deveria promover desonerações para as classes mais
desfavorecidas”, afirma.
Jornal Estado de Minas